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Foto do escritorDaniela Calaça

Oração para desaparecer: uma leitura, saber, pulsão de vida, beleza, poesia e presente




Oração para desaparecer, de Socorro Acioli, chegou nesse final de ano como uma leitura, saber, pulsão de vida, beleza, poesia, presente. Meu interesse pelo livro partiu desse trecho do livro lido para mim por Camila Pitanga: “A vida é feita de palavras, elas explicam e fazem nascer e morrer. Se ninguém pronuncia um nome, este ser está morto, mesmo que respire e leve um coração batendo no peito. Estar vivo é ser palavra na boca de alguém. Não lembrar delas me condenou ao abismo, não saber o nome das pessoas, do meu lugar, a narrativa da minha vida, tudo o que somos é história, e história se conta com palavras. Por isso, bastou um bilhete. Lembrei-me da missa: ‘Mas dizei-me uma só palavra e será salvo’. Fui salva por apenas duas, o nome da cidade de onde vim e o meu nome.”


Essa anunciação se traduzia em beleza-poesia e psicanálise para mim. Me recordei dos caminhos em análise que se materializam pela palavra-memória. Na análise, precisamos fazer um trabalho de resgate da palavra e da memória; só é possível representar a história, as dores, a vida, o Eu com a palavra-memória. Em uma análise, precisamos dar palavra-nome aos afetos sentidos significantes. É a palavra que constrói o sujeito e o horizontaliza. A analista precisa ser espaço continente da palavra-ser; nossa escuta é testemunho necessário para que a palavra costure o desejo, inscreva o sentir e fortifique o Eu. A palavra legitima a vida e faz pulsar emancipação.


Oração para desaparecer traz a história instigante de Joana, que, para se reconstruir, precisa ir em busca das palavras, dos sonhos e das memórias para dar sentido à vida que se apresenta de forma tão absurda e severa. O desconhecimento sobre a história-memória da personagem mobiliza o leitor a submergir profundamente na escrita imagética encantada, fenomenológica, histórica-social. A história de Joana faz nos depararmos com os sentidos e enigmas da vida. Socorro Acioli abre um portal onde o leitor é conduzido a afinar seus caminhos, votos, ligações e afetos com o ser e o existir.


A profundidade poética fez eu me sentir, em alguns momentos, como em um divã onde a dialética toma formas para exprimir a existência em sua complexidade, mas não só ali: me senti contemplando a representação de uma arte da vida narrada, pintada e esculpida entre o sagrado, o cuidado, o mistério, os laços, a ancestralidade, a falta e o profundo. Oração para desaparecer me fez recordar que os caminhos abertos são cultivados com a caminhada, com os passos firmes no amor e com a coragem de nos constituir genuinamente autênticos.

Deixo aqui a oração-convite para essa jornada de Acioli: “Não sabemos nada mesmo sobre o mundo, olhamos o mar na mais absoluta ignorância, enxergando as ondas e nada mais, porque há sempre mais nas profundezas de tudo, mas só o tempo e a coragem nos levam até lá. É só no profundo de tudo que se esconde a verdade. E a verdade do mar é que não há vida sem perigo. Olhe os monstros nos olhos, uma voz disse; os náufragos não olharam.”

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